Lembro-me de quando criança, morávamos num enorme e velho casarão, sentia medo quando escurecia, era sinistro e assustador. Sua pintura já não existia e por certo naquela época provavelmente deveria ter meio século de idade. Feito com tijolinhos vermelhos que nada podia derrubá-lo. Suas paredes eram tão duras que quando os boiadeiros viam de longe trazendo suas boiadas todos os moradores trancavam as portas e janelas feitas de madeira maciça com uma trava cortando-lhe ao meio. Os bois eram daqueles que tinham chifres imensos e eram tão raivosos que passavam suas pontas nas paredes do velho casarão e rasgavam com seus chifres todo o cimento das paredes de fora a fora. Sentia-se o cheiro de chifre queimado. Ouvia-se de longe o fiel boiadeiro que vinha berrando e gritando para que os moradores escondessem suas crianças. O velho monstro era dividido em doze partes e em cada parte morava uma família. Duas delas havia crianças sendo uma a minha. Na casa da minha mãe, eram cinco filhos, sendo eu a única menina. Não pensem que não havia guerrinhas entre nós, pois ficavam enciumados com os paparicos. Brigávamos o tempo todo e quando um estava quieto, chegava o outro para dar aquele cutucão. Por minha vez, não perdia uma só oportunidade em tirar os carrinhos de rolimãs, arrastando-o até a rua que era de terra, montava-lhe e saía na disparada numa descida de um km, depois o trazia na maior dificuldade carregando nas costas a minha proibida diversão e o coração palpitante com medo de ser pega pelos bravos proprietários. Devia ter de oito a dez anos. Menina de coração bom, criada na terra e na roça, disposta para o trabalho e não perdia uma briguinha de rua, adorava entrar em baixo de uma velha cama com colchão de palha de milho, lá estava escondido o maior dos tesouros. As grandes pipas feitas pelas mãos de meu irmão. Era realmente uma obra de arte! Lindas, com rabiolas coloridas e imensas. Haviam de todas as cores, vermelhas com rabiolas amarelas e aquelas tirinhas que balançavam com o vento. Ah! Havia também as amarelas, até hoje as tenho em mente. Eram majestosas, pareciam raias, enormes e pesadas. Ali eu ficava, em baixo da cama de ferro, como era bem pequena, podia ficar sentada olhando aquelas preciosidades, porém era proibida de colocar as mãos. Sempre fui esperta, sabia que se tocasse no tesouro escondido, ele poderia se romper e logo alguém descobriria quem foi o autor de tal façanha, pois me conheciam muito bem! Era uma menina arteira, subia em todas as árvores que se pusessem em minha frente. Deixava minha mãe com os cabelos arrepiados quando fazia qualquer coisa que a deixava brava. Ora, isso acontecia no mínimo dez vezes ao dia, coisa pouca! Corria e subia como um serelepe numa das árvores que resolveu crescer bem no meio do quintal, ah! Eu adorava! Havia uma praça onde os meninos ficavam empinando suas pipas e do alto daquela árvore eu observava cada uma delas, ninguém mexia comigo naquele momento, exceto quando havia feito algo de errado, perseguida pela minha mãe que ansiosa desejava fazer-me uma carícia com uma pequena varinha colhida da própria árvore que eu tanto amava. Lembro-me que minha mãe me cutucava para que eu viesse abaixo, pois desejava com fervor botar as mãos em mim. O dia passava e eu torrava lá em cima tomando aquele sol, a fome me obrigava a descer e enfrentar a correção. Agradeço a Deus por isso. Ser corrigido na hora certa e no tempo certo. Isso é um ato de amor. As coisas que vivi quando criança foram marcantes, sinto saudades daquele tempo ,pois por mais dificuldades que tínhamos ou vontades e desejos que sentíamos, éramos felizes. Naquela época só se via um avião passando uma vez por ano. Morava numa daquelas partes do casarão uma mulher que para mim, era muito grande, era negra e linda. Não havia pelas redondezas uma mulher que fosse tão bela. Os homens discutiam e freqüentavam a sua casa. Eu não entendia exatamente porque aquela mulher tinha tantos maridos sendo que minha mãe só tinha um. Sempre surpreendia minha mente a pensar nisso, como criança não imagina, não tinha a malícia para entender este fato. Todos que moravam no casarão ouviam as discussões e todos ficavam em silencio total. Ninguém podia interromper nem defender e com certeza ninguém podia dormir. Certa noite começou a discussão entre esta mulher e dois homens que vinham de outros lugares e ouviam-se os gritos. Saí correndo no escuro, escondida da minha mãe e fui ver o que estava acontecendo, pois toda a noite ouvia-se tais gritarias, eu queria saber! Porque aquelas pessoas brigavam tanto? Porque aquela mulher não ia embora dali levando com ela os seus maridos? Porque tanto tirava a paz dos outros moradores? Eram todas pessoas de bem, trabalhadores, pais de família!
Ora eu queria saber e entender, pois ninguém me explicava nada. Atravessei o quintal no escuro. Aquele escuro que me trazia calafrios, pois morria de medo do bicho papão e dos olhos do gato na escuridão. Cheguei até a rua atravesse e escondi-me atrás de um poste que me ajudou com sua lâmpada quebrada, colaborando comigo e me acolhendo em sua sombra. Dali eu via os dois homens que discutiam bêbados, nem agüentavam segurar suas próprias pernas, quando um deles saiu correndo pela rua escura e o outro saiu atrás. Esperei que ficassem uma boa distancia e fui atrás. Sozinha na escuridão, novamente me abriguei atrás de um outro poste abandonado e sem luz. Olhei para todos os lados e não havia ninguém que pudesse presenciar o que eu vi. Uma cena que para uma criança de oito anos foi incrivelmente forte e inesperada. Naquela noite foi colocado um fim naquelas discussões, e todos os tormentos e noites mal dormidas pelos pais e trabalhadores e pelo meu coração de criança. Creio que Deus naquele momento tomou uma decisão em favor de todos os moradores. Não demorou muito para que muitas pessoas chegassem ali no local, vindo em seguida à polícia e carregando um dos corpos já inerte. Penso nisso até hoje, tal foi a minha agonia, tão grande era a minha tristeza com tanta discussão que papai do céu tomou um caminho e fez de mim a única testemunha...
Ora eu queria saber e entender, pois ninguém me explicava nada. Atravessei o quintal no escuro. Aquele escuro que me trazia calafrios, pois morria de medo do bicho papão e dos olhos do gato na escuridão. Cheguei até a rua atravesse e escondi-me atrás de um poste que me ajudou com sua lâmpada quebrada, colaborando comigo e me acolhendo em sua sombra. Dali eu via os dois homens que discutiam bêbados, nem agüentavam segurar suas próprias pernas, quando um deles saiu correndo pela rua escura e o outro saiu atrás. Esperei que ficassem uma boa distancia e fui atrás. Sozinha na escuridão, novamente me abriguei atrás de um outro poste abandonado e sem luz. Olhei para todos os lados e não havia ninguém que pudesse presenciar o que eu vi. Uma cena que para uma criança de oito anos foi incrivelmente forte e inesperada. Naquela noite foi colocado um fim naquelas discussões, e todos os tormentos e noites mal dormidas pelos pais e trabalhadores e pelo meu coração de criança. Creio que Deus naquele momento tomou uma decisão em favor de todos os moradores. Não demorou muito para que muitas pessoas chegassem ali no local, vindo em seguida à polícia e carregando um dos corpos já inerte. Penso nisso até hoje, tal foi a minha agonia, tão grande era a minha tristeza com tanta discussão que papai do céu tomou um caminho e fez de mim a única testemunha...
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